quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Commuter Life

Primeira novidade.

Entrei no mundo da Apple. De facto, o meu velho computador estava a dar sinais de fim de vida e, após um bom estudo de mercado e a constatação de uma diferença de preço significativa, optei então por tornar-me uma mac user. MacBook preto.

E que maravilhoso mundo novo! Estou conquistada... pelo design (é preto, 13 polegadas widescreen .... lindo), pelo sistema ... tudo. E sinceramente arranjar programas não é assim tão complicado...

Feliz e contente estou eu portanto, com o meu novo “friend for life” no colo – palavras de uma do atelier, utilizadora há já alguns anos.

Sim, no colo, porque não estou em casa, mas no comboio.

Parece-me que atingi o estado derradeiro de vida no comboio... vir de computador atrás e trabalhar nele. Se estivesse em Portugal, provavelmente não me aventurava a tal coisa. Teria pessoas a olhar de lado “olha esta a exibir-se”, e outros eventualmente a pensar como me assaltar... E obviamente, outros tantos a lerem o que escrevo.

Mas aqui, onde todos exibem algum sinal de riqueza – em equipamento electrónico ou em acessórios Louis Vuitton e companhia - e onde a segurança é extrema – poderia adormecer profundamente com o computador ao colo que ninguém me levaria o portátil – estou confortável e segura a escrever-vos.

Por acaso os japoneses até são bastante fofoqueiros e cuscos, de maneira que o senhor sentado ao meu lado esteja provavelmente a ler o que escrevo (a senhora do outro lado dorme...), mas a probabilidade de perceber o que escrevo é bastante remota.

Estando no comboio, aproveito a ocasião para escrever sobre a minha experiência de “commuter” nestes quase dois meses (já!!).

Primeiro, o próprio termo de “commuter”, ou seja “a regular journey of some distance to and from one's place of work.”.

(entretanto mudei de linha ... estou agora na Yamanote, a linha circular de Tokyo... e como apanhei numa boa estação, está praticamente vazio e tive lugar para me sentar e ... continuar a escrever)

As viagens de comboio têm se demonstrado como um pequeno observatório da sociedade japonesa... assim como um pequeno tubo de ensaio, no qual também me encontro – sentido por vezes os seus efeitos – mas onde permaneço, apesar de tudo, uma observadora. Por pontos, as minhas primeiras deduções:

1º. Como provavelmente já sabem, a cultura japonesa é extremamente ascética na demonstração de afectos, no toque... não se dão abraços, não se dão beijinhos e só quando há já alguma relação de amizade se põe uma mão no ombro, se dá uma palmada nas costas ... etc. (dada a evolução da sociedade, começam a ver-se casais com alguma demonstração de afecto ... mão dada, cabeça no ombro, etc, mas raros são os que vão para alem disso)

No metro/comboio, todos estes pudores desaparecem. Andamos colados, a respirar no pescoço do vizinho, os corpos em conjunto movimentam-se conforme o baloiçar da carruagem – em certas situações quase se perde o equilíbrio, mas sempre em silêncio ... fosse em Lisboa estava tudo aos berros....

**actualização temporal: 12 horas depois, no meu quarto ... queria ter continuado a escrever na viagem de regresso, mas estava tão cheio que foi impossível.

Esta viagem de regresso foi mais um exemplo de “sardinhite”. Estava praticamente ao colo de um que estava sentado (sortudo).**

2. O comboio como um conjunto de bolhas pessoais.

Explico: no metro, tudo se faz: maquilhar-se, escrever no telemóvel, ler jornal, ler livros, jogar playstation (versão portátil), escrever no computador – não sou a única - e claro, dormir.

Só há duas coisas que não convém fazer: comer e falar ao telemóvel. Comer ainda se percebe, mas agora falar ao telemóvel confesso que não percebo ... ainda por cima os telemóveis andam sempre em modo silêncio (se tocar em alto e bom som olha tudo). Se estivesse com alguém ao meu lado à conversa, faria o mesmo barulho... Nestes dois pontos, comer e falar ao telemóvel, assumo a minha posição de estrangeira e quebro as regras.

Todas estas regras subliminares ao uso do metro remetem à sua principal característica: a total ausência de relação com o próximo. Posto de outra forma, é como se cada pessoa saísse de casa com uma bolha à volta do seu corpo, transportasse essa bolha para dentro do metro e, protegida dentro dela, continuasse a sua vida pessoal, apesar de rodeada por uma quantidade de incógnitos.

Talvez seja exactamente este anonimato que permita estar tão abstraído do que (dos que) nos rodeia...

 

3. O exemplo mais característico de viver na sua maior intimidade apesar da marabunta que nos rodeia: o dormir.

Já repararam como o dormir é a anulação completa do controlo sobre o nosso corpo e sentidos?

Ao dormir ressona-se, abre-se a boca, baba-se, cai-se para o lado (para cima do ombro do vizinho, que por respeito ou pela regra implícita de não entrar na bolha pessoal do próximo, não o afasta). Que espectáculo humano !!

Confesso que já me aconteceu. Sim, já adormeci profundamente no metro, ao ponto de deixar passar a estação. Fui niponizada...

E sempre que acordei, sentia-me estranha, exactamente por ter perdido o controlo da situação, ter passado tempo sem eu dar por ele. Será que ressonei? Abri a boca? Incomodei o vizinho?

Tenho de me conformar: dentro das regras implícitas da sociedade japonesa, seja qual tenha sido o meu momento de Morfeu, nada disto tem importância...


Em jeito de nota final, e abertura a um post em preparação:

a vida de comboio é característica de um traço fundamental da sociedade japonesa:

as contradições. 



E agora uma imagem perfeitamente única...


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